sábado, 23 de fevereiro de 2008

“Um dia desses, num desses encontros casuais”

Um pouco de poesia e literatura numa tarde insólita da capital de Minas. Com certeza faria bem a qualquer um de nós. Mas o prazer é para poucos. Só para os têm bons contatos e tempo de se deliciar numa prosa como a que aconteceu nesse dia.

Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino e Otto Lara Resende. Os amigos que serviram de inspiração para compor o livro “O encontro marcado” foram os personagens dessa ociosa tarde. Só sol do pós-meio-dia atrapalhou o nobre encontro.

A menina do interior foi muito bem recebida pelos quatro escritores. Apresentaram-lhe a Praça da Liberdade. Não deram muita atenção à curiosidade da garota em conhecer a Biblioteca Municipal. Compreensível. Eles eram bibliotecas vivas.

O simples cão que passou perto de nós motivou poesia. Paulo se assustou com o cachorro e disse:

"A meu avô Cesário devo este horror pelos cães, o pescoço musculoso, o riso acima de minhas posses, o pressentimento de uma velhice turbulenta (...)
(...) A minha avó Margarida, a maneira leve de pisar e fechar portas.
A Minas Gerais, a minha sede, o jeito oblíquo e contraditório, os movimentos de bondade (todos), o hábito de andanças pela noite escura (da alma, naturalmente), a procrastinação interminável, como um negócio de cavalos à porta de uma venda." (Meditações Imaginárias)

Nenhum dos presentes - exceto a menina que se alagava no próprio suor - se incomodavam com o sol. Pareciam ser de bronze e tinham uma disposição estranha para permanecerem naquele lugar o tempo que fosse.

Hélio Pellegrino veio confirmar essa intenção de ficar ali noite adentro. Apostava que a garota só suportaria o sol do meio dia:

“Quanto você faz 20 anos está de manhã olhando o sol do meio dia. Aos 60 são seis e meia da tarde e você olha a boca da noite. Mas a noite também tem seus direitos. Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade, no capital erótico, e não me arrependo. A salvação está em você se dar, se aplicar aos outros. A única coisa não perdoável é não fazer. É preciso vencer esse encaramujamento narcísico, essa tendência à uteração, ao suicídio. Ser curioso. Você só se conhece conhecendo o mundo. Somos um fio nesse imenso tapete cósmico. Mas haja saco!" (Carta a Fernando Sabino, revista pelo Hélio Pellegrino ao fazer 60 anos).

Hélio Pellegrino acerta em cheio na aposta. A menina não consegue mais suportar aquele sol. É uma reles mortal que ainda tem muito que fazer para ser imortalizada num pedaço de ferro. Um dia ela vai poder resistir - como eles - à noite que avança. Fernando Sabino quer um sorriso de despedida.

A menina “vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso”. (A Última Crônica)

Fernando Sabino agradece:

“(...) Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.” (A Última Crônica)

3 comentários:

Anônimo disse...

é bronze, não ferro

Anônimo disse...

depois desse pequeno prólogo sarcástico, obrigado pelo link. Só agora o notei, mas está erado.
Não por estar incorreto, mas porque eu mudei de blog.
http://quixotesco.wordpress.com
no mais, intressante a proposta da cronica. pena que eu não gosto de nenhum dos autores abrodados especionalmente.

Mariana Martins. disse...

Ferro por bronze. Corrigido.
Obrigada!