domingo, 30 de novembro de 2008

Como desenhar direito! Ana Paula ensina.

Ana Paula é uma menina de estatura que passa só um pouquinho o meu joelho. Ela tem um cabelinho loiro, mirradinho, cheio de nó. Uma catarreira danada. Tem a pele jambo e é magrelinha. Só tem três anos. Ela apareceu na sala de informática acompanhada dos seus irmãos. Eles são três meninos, todos meus alunos. Cada um em uma série diferente. O irmão do meio me explicou que eles tinham de cuidar dela no horário em que não estavam estudando e me pediu permissão para que ela ficasse com eles enquanto mexiam no computador.

Ana Paula sentou no colo do mais velho e ficou observando. Passou cinco minutos e ela danou a apertar algumas teclas indevidas, atrapalhando todo o desenho que o irmão tinha feito. Ai ela foi passada para o irmão do meio. Ele estava jogando e nem deu trela para a tentativa da irmã de tentar mexer no computador também. O irmão mais novo nem podia pegar a menina porque era pequenininho e Ana Paula escorregaria do colo dele. Aí, eu na minha postura de amante das crianças (hehe), peguei a Ana Paula e enterti ela com uma folha de desenho.

_ Ana Paula! Desenha uma casinha?
_ Sei não. Quero ‘putadô’! (e ela levantou a mãozinha apontando para uma das máquinas em que um menino usava o Paint para desenhar)
Eu tentando consolá - la disse:
_ É a mesma coisa. Você pode desenhar aqui no papel também. E eu te ensino a desenhar uma casinha. Olha aqui! Cada coisa que eu fizer você vai fazer igual tá bem?
_ Tá.

E assim eu fazia um telhado, ela fazia o telhado dela. Eu fazia a parede, ela fazia a parede da casa dela. Eu fazia um pintinho, ela fazia o pintinho dela. Eu colocava pé no pintinho, ela colocava pé na janela.
A Ana Paula terminou o seu desenho rapidinho e não me deixou em paz enquanto não a deixei desenhar no computador. A pirralhinha chamou meu cachorro de boi e eu sai profundamente ofendida com isso.

O da Ana Paula: (Olha os pés do pintinho na janela!)
O meu: (Ela chamou meu cachorro de boi!)

domingo, 23 de novembro de 2008

Trato de Independência Feminina por Mariana Martins e Luciana Maia.

Lu, os acessórios verdes eu compro tah?

Uma semana comum. Uma noite comum. Um ônibus comum leva os estudantes da Universidade de Itaúna de volta para casa. Um sono comum. A poltrona do meu lado ocupada por uma companhia comum. Mas a companhia comum sempre tem conversas incomuns. Ela é Luciana Maia, minha doce e atrapalhada amiga!


- Mari? Eu queria nascer rica ao invés de bonita! Você não queria não?
- Uai Lu! Obrigada pelo elogio de bonita, mas é que eu queria as duas coisas se fosse possível.
- Ah! Mas acho que só ser rica estava bom. Quando a gente é bonita tem homem que se aproxima, fala que gosta da gente, mas na verdade só quer se aproveitar. Quando a gente é feia e rica, qualquer um que lhe fizer jura de amor merece um pé na bunda. Tudo fingimento!
- É só a gente ser rica e bonita e não der trela para nenhum homem!
- É mesmo né? Se for parar para pensar a gente nem precisa de homem.
- Assim... Precisar? Precisa. Para fazer aquelas coisas... você sabe, para ter filhos!
- Aham e por que uma mulher precisa de filhos?
- Algo relacionado à solidão Lu. Pelo menos eu quero ter um filho para cuidar de mim quando eu ficar velhinha!
- Tudo bem! Filho está explicado. Mas onde é que homem entra nessa história? Por que é que depois de arrumar um filho a gente tem que conviver com um homem dentro de casa?
- Para ajudar a criar o filho? Educar ele, comprar coisas para ele?
- Aí está! Se eu for rica eu não vou precisar de homem então. Dinheiro para criar um filho eu vou ter de sobra.
- Um filho precisa de pai Lu. Para dar exemplo, buscar o filho na escola. E você que gosta tanto do seu pai como eu, não devia falar essas coisas.
- É, você tem razão! Mas morar sozinha com meu filho não quer dizer que ele não vai ter um pai. O pai dele pode visitá-lo de vez em quando. O que eu não quero é ter de dividir minha Pickup com um macho, ter toalha molhada em cima da cama, virar objeto sexual e ter de cozinhar a vida inteira para um barrigudo reclamão. Eu quero é ter minha casa própria, um closet só com roupas importadas, uma garagem com uma frota de carros...
- Do tipo um carro para cada cor de roupa e sapato?
- Aham.
- Lu? Você deixa eu morar com você?

sábado, 15 de novembro de 2008

From 'Caçador de Pipas' - Filme.

- A história é sobre o quê?
- É sobre um homem que encontra um copo mágico e ele aprende que se ele chorar no copo as lágrimas dele viram pérolas. Ele é muito pobre e no final da história ele está sentado em uma montanha de pérolas com uma faca ensangüentada e a esposa morta nos braços dele.
- Então ele a matou?
- É Hassan!
- P’ra chorar muito e se enriquecer?
- É Hassan! Como você é inteligente! (ironia) ... Que foi?
- Nada. Bom, me permite fazer uma pergunta sobre a história?
- Claro!
- Por que o homem teve que matar a esposa?
- Porque cada uma das lágrimas dele virava uma pérola!
- Eu sei, mas porque ele não podia só cortar uma cebola?

"Oh Tiiia! Olha a janela esquisita que apareceu aqui!"

Cartinha para a professora. (Clique e amplie!)

Minha madrinha me alertou de ir trabalhar com os cabelos amarrados sobre o risco de pegar piolho. Eu tratei de arrumar logo muitas buchinhas porque o risco é multiplicado por 300, contabilizando que essa seja a quantidade de alunos que arrumei. Trata-se do meu novo emprego: o de professora. Não sou professora de Biologia em condizência a minha formação acadêmica em andamento, mas uma efetivada professora de informática em uma Escola Municipal da cidade de Divinópolis - MG.

O fato é que sempre odiei trabalhar. A frase ‘O trabalho engrandece e dignifica o homem’ me soava injusta e a todo tempo me perguntava que homem era esse quem saía engrandecido. Com certeza não era o homem trabalhador e sim o seu patrão.
O que dignifica você é o ócio! E isso é fato. Só adquirindo um tempo para ler livros, comer rapa de comida de mãe e para tirar à pinça todos os cabelinhos da canela, que o ser humano – pelo menos o ser humano Mariana - produz algo de útil para ele mesmo.

Eu pensava bem assim. Continuo pensando. Mas além de acreditar que o trabalho deve te engrandecer, passei a acreditar em uma segunda utilidade: o de engrandecer o próximo ao prestar serviços e ser útil aos que necessita.
Isso passa bem perto de voluntariado, mas a remuneração é necessária para atender também a idéia inicial de engrandecimento pessoal.

Eu estou vivendo uma experiência parecida. E cada dia que passa me sinto mais realizada e contente com que faço. A atividade remunerada que exerço é a serviço de crianças de uma comunidade periférica da cidade onde moro. Crianças de uma região carente em recursos físicos, onde palavra ‘computador’ soa - ou pelo menos soava - algo distante.

Numa pesquisa por meio de um questionário de cinco perguntas, eu levantei o perfil dos alunos com quem trabalharia. Era para conseguir identificar o nível de conhecimento deles em relação à informática e as expectativas de aprendizagem sobre o assunto. Constatei que cerca de 40% dos estudantes nunca tinham acessado uma máquina e 30% deles mexeram uma vez ou outra em casa de vizinhos, lan houses e outros. Quando perguntei sobre a expectativa para com o laboratório de informática, nenhum aluno marcou a opção ‘poucas expectativas’.

E eles não estavam mentindo só porque o questionário exigia identificação do nome e turma. As expectativas são realmente grandes! A exemplo, não há um dia da semana em que pelo menos uns 10 alunos me parem andando pelos corredores e perguntem: “Tia! Que dia que eu posso mexer no computador?”.
Sim, eu arrumei cerca de 300 sobrinhos! E estou até confundindo. Se perguntarem meu nome, eu respondo ‘Tia’ e espero que compreendam.

A primeira aula eu trabalhei o ‘Paint’ com a escola inteira. Desenho livre com o mouse para adquirirem intimidade com esse hardware. Exceto as raras pessoas com curso de computação, os meus demais alunos usaram o simples programa com um olhar de deslumbre. Um aluno de 5 anos da primeira série fez um risquinho preto na tela em branco e caiu em gargalhada. Era um riso tão bom e puro de se ouvir, que ri com ele e me emocionei.

A escola tem apenas 10 computadores para 16 turmas. A sala onde eles ficam é apertadinha e um teclado já veio quebrado. Se chove, o terceiro computador do lado direito molha porque tem goteira sobre ele. Estudam lá alunos desde o antigo de ‘jardim de infância’ aos da oitava série. É uma loucura adequar a forma de ensinar para todas as idades. Tudo parece conspirar contra a oportunidade da minha galerinha de aprender.

Apesar dos pesares, eles continuam tendo aula. E eu, mesmo diante de tantas dificuldades, não vou esquecer de contrapor tudo ao sorriso daquele menino. É para engrandecer, tornar grande essa criança, que quero trabalhar a partir de agora.